Nos recintos dos frigoríficos e abatedouros brasileiros, onde a carne é um produto de destaque em escala global, o debate sobre o sacrifício de animais em práticas religiosas ganha cada vez mais espaço. No entanto, por trás das tentativas de proibição dessa prática, surgem questionamentos sobre as verdadeiras motivações por trás dessas iniciativas.
Recentemente, um exemplo eloquente desse embate ocorreu em Cotia, onde uma lei municipal que visava penalizar os praticantes de rituais religiosos que sacrificassem animais foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. A legislação, vista como direcionada principalmente às religiões de matriz africana, como o Candomblé, foi considerada inconstitucional, evidenciando nuances de intolerância e perseguição religiosa que ainda permeiam nossa sociedade.
Embora a Constituição Federal de 1988 assegure o direito às práticas tradicionais do Candomblé, ainda se faz necessária uma regulamentação mais clara para proteger esses rituais. A intolerância religiosa, muitas vezes alimentada por grupos evangélicos e setores conservadores, continua a ser um obstáculo significativo. Desmistificar e esclarecer equívocos sobre o sacrifício de animais nessas tradições é uma tarefa complexa, mas crucial.
As religiões de matriz africana enfrentam um histórico de racismo e, consequentemente, são alvo frequente de discriminação e preconceito. O sacrifício de animais muitas vezes é utilizado como pretexto para manifestações de ódio e desrespeito ao Candomblé e aos seus seguidores. No entanto, acusações de maus-tratos e crueldade animal contra praticantes dessas religiões carecem de fundamentos. Para essas comunidades, o sacrifício de animais é intrínseco à sua subsistência e vida espiritual e não deve ser questionado por outros grupos ou pelo Estado.
No contexto do Candomblé, o sacrifício de animais é uma prática destinada a ampliar e distribuir o "axé", a força vital fundamental. Ao contrário do conceito de expiação presente em algumas religiões, no Candomblé não existe o conceito de pecado associado. O sangue dos animais é considerado portador de axé, e o sacrifício é encarado como uma necessidade para a continuidade da vida espiritual.
Assim como em outras tradições religiosas, a alimentação assume um significado sagrado no Candomblé. A carne consumida durante rituais é considerada sagrada, e os sacrifícios são realizados antes de eventos públicos e festividades. O excedente muitas vezes é compartilhado com a comunidade local, especialmente em áreas desfavorecidas.
É essencial que as pessoas abordem esses rituais com mente aberta e livre de preconceitos, reconhecendo a importância cultural e espiritual que têm para as comunidades que os praticam. Para os praticantes do Candomblé, especialmente sacerdotes e líderes religiosos, é crucial estar cientes de seus direitos e deveres. Estimular a busca pela legalização dessas práticas através de credenciais religiosas pode ajudar a evitar surpresas desagradáveis em fiscalizações baseadas em denúncias anônimas. Além de se preocupar em conhecer seus direitos, é fundamental que essas comunidades busquem a regularização de suas práticas, garantindo assim a proteção de seus direitos e a capacidade de se defender contra falsas acusações.
BABALORISÁ GAMBY TY SANGÓ -
PRESIDENTE FEDERAÇÃO AFRO BRASIL LEGALIZA
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